quarta-feira, 11 de julho de 2012

Cine Brasil


Menino Maluquinho, erga seus braços, puxe a panela e tampe seus olhos. Estão destruindo o Cine Brasil. Pedra Itaúna, proteja os olhos da lua. Coreto, peça abrigo às árvores, pois estão destruindo o Cine Brasil. É mentira? Infelizmente não é! Ali mesmo, na praça Getúlio Vargas, a nossa praça do relógio. Os olhos dos caratinguenses é que estão escancarados, boquiabertos, pasmos, estupefatos. Falta é palavra para caracterizar o espanto do bom e sensato caratinguense. Em suas gargantas prende-se um grito, contido, torturado, em revolta.
O gigante Cine Itaúna vai ficando órfão. Perde um irmão. As duas fachadas arredondadas que tanto me impressionaram na infância vão deixando de existir. Sobrará alguma? É hora de retornar a Caratinga e perguntar para as pessoas da rua onde está o Cine Brasil. Alguém o viu? Por que se permitiu tantos miudinhos destruidores? Desistiu de nós? Sentemos todos no chão da pequena praça e demos as mãos ao que resta da fachada do Cine Brasil, o nosso amigo moribundo. Venha menino do Ziraldo, venha grande pedra negra, venham todos.
Tenho acompanhado tudo pela internet. Vi as pessoas acenderem velas na porta do cinema, erguerem cartazes, abraçarem-se. Ouvi os gritos contra a destruição. Vi o último filme do cinema sendo transmitido em sua própria fachada como quem assiste, ele próprio, ao filme de sua vida, passando diante de si mesmo, como um relâmpago que antecede o Nada. Reconheci meus amigos lutando pela preservação da memória material de Caratinga e não pude estar no meio deles. Com eles, assisto como posso ao velório de um amigo que parte devagar.
O que mais me espanta, no entanto, nem é tanto a derrubada do nosso cinema, que se encontrava, desde muito, mudo. Claro, tudo isso me horroriza. O que mais me espanta são os comentários de alguns conterrâneos, que acham que o espetáculo é bem-vindo. Feito futuristas démodés, acham, por exemplo, que se deveria construir no lugar um grande prédio de salas comerciais. O novo feito a partir da destruição do antigo. Construam e fiquem sem história. Construam e fiquem sem memória. Construam e morem numa cidade como outra qualquer, feita de caixotes de concreto e vidro. Isto não é amar a cidade em que nasceram. Isto é amar um modelo de “progresso” ultrapassado, arcaico mesmo, vazio e ignorante. O que trará algum progresso certamente não é um prédio cheio de salas, que poderia ser construído em qualquer outro lote.
Destruam e digam a seus filhos e netos que a cidade em que nasceram já não existe mais. Destruam e não mostrem a eles o lugar do primeiro beijo, a esquina em que ouviram palavras de amor, as casas onde viveram, a escola que lhes edificou. Quando alguém disser: — nada do seu passado existe mais? Não se comova, pois você permitiu a destruição de sua própria história. Não se deixe destruir e digamos sem esconder o rosto: esta é a cidade em que nasci. Aquela é a Pedra Itaúna. Aquele é o Coreto. Esta é a praça do relógio. Ali está o Cine Brasil! Aqui se preserva a história de Minas Gerais e do Brasil! E essa história é também a história de minha vida!
Marcos Teixeira

terça-feira, 29 de maio de 2012

In-Verso

Marcos Teixeira

O livro In-Verso (2012), de Thalita de Oliveira Freire, apresenta um rico e interessante diálogo com o gênero conhecido como literatura de cordel. O tom de sua poesia, marcado por um regionalismo e uma dimensão coloquial, já revela o diálogo que também se confirma na utilização da palavra cordel, utilizada em dois poemas. Essa poesia que conta estórias também nos conta sobre a própria poetiza nascida em Curvelo e vinculada desde cedo a Cordisburgo.
A dimensão de sua poesia e a presença da pequena e famosa cidade deixa entrever o seu gosto pela prosa de João Guimarães Rosa. O último poema do livro, “Chico Mineiro e Riobaldo”, traz vivo o personagem rosiano e a sua especulação sobre a vida e a possibilidade de ter ou não feito o pacto com o diabo. A presença do mito cristão, aliás, nos remete a um tema recorrentemente utilizado pela literatura de cordel e por isso aparece sem destoar dos outros poemas.
Thalita de Oliveira Freire parece trilhar, por outro lado, um caminho feito por João Cabral de Melo Neto, em que os elementos regionalistas, por um lado, se encontram bem adequados a uma poesia de traço clássico, metrificada e feita com agudeza. Refiro-me ao poema-auto “Morte e vida severina”. É preciso, assim, e se for o caso, que Thalita se debruce sobre os inóspitos tratados de metrificação para trazer de lá a sua mesma poesia, mas em molde diverso e aparentemente simples.
In-Verso possui também uma edição artesanal, com capa feita em papelão e pintada à mão. Por isso cada exemplar é único, bem ao gosto do cordel. Não tenho mais o que dizer por hora e por isso termino como um de seus poemas: “Agora vou logo embora, / porque alguém pra aumentar já que aparece”.