Menino
Maluquinho, erga seus braços, puxe a panela e tampe seus olhos. Estão destruindo
o Cine Brasil. Pedra Itaúna, proteja os olhos da lua. Coreto, peça abrigo às
árvores, pois estão destruindo o Cine Brasil. É mentira? Infelizmente não é!
Ali mesmo, na praça Getúlio Vargas, a nossa praça do relógio. Os olhos dos
caratinguenses é que estão escancarados, boquiabertos, pasmos, estupefatos.
Falta é palavra para caracterizar o espanto do bom e sensato caratinguense. Em
suas gargantas prende-se um grito, contido, torturado, em revolta.
O gigante
Cine Itaúna vai ficando órfão. Perde um irmão. As duas fachadas arredondadas
que tanto me impressionaram na infância vão deixando de existir. Sobrará
alguma? É hora de retornar a Caratinga e perguntar para as pessoas da rua onde
está o Cine Brasil. Alguém o viu? Por que se permitiu tantos miudinhos
destruidores? Desistiu de nós? Sentemos todos no chão da pequena praça e demos
as mãos ao que resta da fachada do Cine Brasil, o nosso amigo moribundo. Venha
menino do Ziraldo, venha grande pedra negra, venham todos.
Tenho
acompanhado tudo pela internet. Vi as pessoas acenderem velas na porta do
cinema, erguerem cartazes, abraçarem-se. Ouvi os gritos contra a destruição. Vi
o último filme do cinema sendo transmitido em sua própria fachada como quem
assiste, ele próprio, ao filme de sua vida, passando diante de si mesmo, como
um relâmpago que antecede o Nada. Reconheci meus amigos lutando pela
preservação da memória material de Caratinga e não pude estar no meio deles.
Com eles, assisto como posso ao velório de um amigo que parte devagar.
O que mais me
espanta, no entanto, nem é tanto a derrubada do nosso cinema, que se encontrava,
desde muito, mudo. Claro, tudo isso me horroriza. O que mais me espanta são os
comentários de alguns conterrâneos, que acham que o espetáculo é bem-vindo.
Feito futuristas démodés, acham, por
exemplo, que se deveria construir no lugar um grande prédio de salas
comerciais. O novo feito a partir da destruição do antigo. Construam e fiquem
sem história. Construam e fiquem sem memória. Construam e morem numa cidade
como outra qualquer, feita de caixotes de concreto e vidro. Isto não é amar a
cidade em que nasceram. Isto é amar um modelo de “progresso” ultrapassado, arcaico
mesmo, vazio e ignorante. O que trará algum progresso certamente não é um
prédio cheio de salas, que poderia ser construído em qualquer outro lote.
Destruam e
digam a seus filhos e netos que a cidade em que nasceram já não existe mais.
Destruam e não mostrem a eles o lugar do primeiro beijo, a esquina em que ouviram
palavras de amor, as casas onde viveram, a escola que lhes edificou. Quando
alguém disser: — nada do seu passado existe mais? Não se comova, pois você permitiu
a destruição de sua própria história. Não se deixe destruir e digamos sem
esconder o rosto: esta é a cidade em que nasci. Aquela é a Pedra Itaúna. Aquele
é o Coreto. Esta é a praça do relógio. Ali está o Cine Brasil! Aqui se preserva
a história de Minas Gerais e do Brasil! E essa história é também a história de
minha vida!
Marcos Teixeira
Não conheço o prédio do Cine Brasil de Caratinga, mas comungo de sua indignação. Em minha cidade, Viçosa, o nosso Cine Brasil, também de arquitetura tão simbólica e elegante, tornou-se um sacolão. No caso, não se trata de uma edificação muda. Mudos são os viçosenses diante da mutilação lenta e gradual que descaracteriza um elemento tão rico e marcante da cidade. Uma pena. O nosso Cine Brasil também está fadado à morte.
ResponderExcluirRicardo Teixeira