Fotografia: Wilson Martins |
Acabo de voltar
de Caratinga, cidade mineira onde nasci, passei minha primeira infância e onde
depois vivi muitos anos. Nos dias que passei lá, fiquei muito surpreso ao ver o
coreto hexagonal da principal praça da cidade cercado por tapumes e em obras.
Trata-se de um coreto projetado por Oscar Niemeyer a pedido de Ziraldo. O monumento
se encontra tombado como patrimônio histórico e cultural do povo desde 2002. Que
tipo de obra estariam fazendo no coreto Ronaldinho Calazans? Uma restauração? Infelizmente
não. Para usar uma palavra bonita, faz-se nesse momento uma intervenção. Procurando
mais informações descobri que, dentre outras coisas, vão revestir o nosso
coreto com mármore branco e vão fechar as aberturas com vidro. Disseram-me que
a proposta teria surgido por causa de um problema social, digamos. Achei um
despropósito, se for verdade, porque não se faz melhoria social fechando um bem
público, mas investindo em política social.
Que tipo de obra
se faz então? Restauração não é, pois não se busca a preservação e recuperação
da concepção ou construção original. Podemos chamar de reforma. Mas um bem
tombado ou, ainda que não fosse, uma obra de tal importância, poderia ser alterada
como se faz agora? Quero crer que não. Essa viagem que fiz a Caratinga acabou
me lembrando de outra viagem, bem anterior, feita em dezembro de 1999.
Aproveitava o período de férias (ou era greve?) da UFOP para ir a minha cidade.
Naquele dezembro, prestei serviços para o pessoal do Diário do Aço de Caratinga, jornal que atualmente se chama Diário de Caratinga. Como íamos viver a
virada do ano de 1999 para o ano 2000 fizeram uma série de reportagens sobre a
cidade e resolveram escrever sobre o coreto. Conservei felizmente parte
desse jornal. Naqueles dias, circulou na redação a maquete do coreto e eu tive
uma grande surpresa ao descobrir que a construção deveria ser totalmente
diferente do que é. Na maquete, dá para se observar um afinamento suave em
várias partes do coreto, o que atribuiria grande leveza para o monumento. Na
falta de uma imagem boa, e na esperança de que a maquete reapareça ou imagens
melhores surjam, reproduzo aqui a fotografia que o jornal publicou.
fotografia da maquete do coreto – Diário do Aço - Caratinga |
Vendo a maquete,
que esteve ali, ao alcance de minhas mãos, percebi que quem a conhecesse nunca
mais olharia do mesmo jeito para o coreto da praça, construção pesada, sem os
contornos e os cuidados que o projeto requeria. Mas ainda assim interessante. A
partir daquele dia, passei a defender que qualquer “intervenção” no coreto
tentasse recuperá-lo no sentido de aproximá-lo do que deveria ser. Da mesma
forma que na edição de um livro procuramos respeitar a última vontade do
escritor, intervir naquela construção, para mim, deveria respeitar a vontade de
seu criador. Em se tratando de obra de Oscar Niemeyer a questão se amplia e
ganha relevo maior. Recuperá-la contribuiria também para o turismo da cidade,
que, diga-se de passagem, vem perdendo o Cine Brasil.
Vale a pena
reproduzir aqui um fragmento do jornal que citei, no qual se lê um depoimento do
senhor Carlos Roberto sobre a concepção do coreto:
Levamos farto material retratando a Praça Cesário Alvim. Niemeyer observou como era utilizado o espaço, notando que havia uma TV no jardim, onde várias pessoas se concentravam ao redor. Por isso ele projetou um subsolo no coreto, onde fez arquibancadas e TV embutida. Lembro-me que ele disse que era melhor, para que as pessoas não ficassem ao relento.
(Diário do Aço – Caratinga – edição de réveillon
– 1999-2000)
Como se observa, o coreto foi idealizado para ser um espaço livre, aberto e público. Fechá-lo significa deturpar o seu sentido original. Uma parte dele já havia sido fechada com vidros anteriormente, o que me parece um erro. Continuar a fechá-lo significa, para mim, errar novamente. Ainda que o monumento passe a ter janelas, que o vidro mude de posição e eventualmente possa ser utilizado como coreto, seu sentido primeiro terá sido alterado. Se alguém, com uma viola na mão, não puder utilizá-lo livremente, que sentido terá? Ademais, há formas de preservá-lo e administrá-lo que não requerem vidros e fechaduras. Não gostaria de ver atrás de vidros os profetas de Aleijadinho em Congonhas como não gostaria de ver atrás de vidros a estátua de Drummond no Rio de Janeiro, tantas vezes já vandalizada. Creio que há outros caminhos...
Nunca vi um
coreto fechado. Alguns têm portas na parte de baixo e ficam trancadas, é
verdade. Mas o nosso não foi planejado para ter portas, não foi planejado para
impedir ninguém de adentrá-lo. Ao contrário, foi concebido para ser uma casa de
luz acesa e lugar disponível para todos se assentarem e ver televisão.
Por que então fechá-lo? De todos que vi, a maioria dos coretos não impede a
entrada das pessoas. São abertos, receptivos, livres! Se vão mexer no coreto
hexagonal, restaurem-no! Aproximem-no de seu projeto! Revestir com mármore não
é, nem nunca foi, restauração! Fechar com vidros é aprisionar um espaço dedicado
à liberdade! Da próxima vez que for a Caratinga, quero entrar no coreto, chamar
os amigos para conversar, ouvir o grande Manoel Boca tocar seu violão. A lua
cheia nascerá por trás da pedra Itaúna e as árvores, ouvindo o meu lamento de
liberdade, saberão nos servir uma dose de qualquer bebida. Deitado no coreto, acabarei
dormindo no seio de minha terra.
Marcos Teixeira
06.07.2014
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